Por Lilian Dias
Jamais devemos rotular profissionais do Agro por sua idade avançada e, em contrapartida, enaltecer a juventude como a salvação de uma classe. Eu costumo ouvir de muitas pessoas que os mais velhos do Agro são teimosos, rudes, que não estão abertos ao diálogo, à capacitação e são avessos à tecnologia, principalmente, a digital. Porém, na prática, não é o que vivo diariamente.
Tenho o privilégio de trabalhar difundindo conhecimento e qualificação profissional no Agro, cujo acesso ao conteúdo é totalmente tecnológico e, pasme, 51,2% dos alunos estão acima dos 55 anos de idade, sendo que 14,6% têm mais de 65 anos. A pergunta que fica no ar é: “Eles tiram de letra o manuseio com as ferramentas digitais?”.
Não, claro que não, mas a diferença é que eles lidam com a dificuldade frente ao time do suporte técnico com paciência, educação, gentileza, serenidade, humildade e disponibilidade para aprender o que desconhece em relação às questões tecnológicas. Eles não dão desculpas de que a internet é ruim no campo e nem negam a importância e a necessidade de lidar com o mundo digital. Eles simplesmente fazem acontecer, mesmo diante da precariedade ou do obstáculo.
Outra característica nobre a ser ressaltada pelo comportamento dos pecuaristas mais velhos é a boa vontade em transmitir o que sabe sem querer tirar qualquer proveito disso, ou sem a intenção de fazer média como troca de favor a um amigo, mas apenas pelo comprometimento de disseminar conhecimento e pelo prazer de poder ajudar outras pessoas evoluírem. Eles colocam o propósito à frente de uma agenda lotada de afazeres e conseguem entrar numa reunião online mesmo com toda a dificuldade no auge dos seus 60, 70 e até mesmo 83 anos, sem que percam o controle emocional ou se rendam facilmente à impaciência.
Recentemente, lidei com um jovem pecuarista, dono de uma grande fazenda, cujo nome não será revelado por questões éticas, e que representa a antítese de tudo que foi mencionado nas linhas anteriores. Ele recebeu um link de participação online pelo Zoom 90 minutos antes do início da reunião e, visivelmente irritado, porque não sabia mexer na ferramenta no momento de adentrar a sala virtual, questionou rudemente, de forma muito mal-educada, que deveria ter sido avisado com antecedência. Atitude típica de quem não assume a responsabilidade por não ter prestado atenção à informação do link uma hora e meia antes do encontro online e, claramente, se sente mais confortável atribuindo a culpa ao outro.
A questão exposta acima não se restringe ao conhecimento tecnológico e migra para um campo mais delicado, que é o do descontrole emocional e da malcriação. E isso é o tipo de coisa que não cabe a nenhum suporte técnico ensinar, porque educação vem do berço, e talvez seja por isso que os pecuaristas mais velhos saibam lidar com tais adversidades sejam de cunho tecnológico ou de tratativa comportamental. A falta de tato desse jovem foi além com a seguinte frase: “Querida, estou cheio de afazeres na fazenda. Estou aqui para ajudar meu amigo fulano de tal”.
O posicionamento dele é, mais uma vez, muito claro: não existe legitimidade em fazer o bem agregando conhecimento aos outros, mas apenas o interesse em ficar “bem na foto” por prestar um favor a um amigo. No dia seguinte, um pecuarista uns 20 anos mais velho entrou no mesmo evento online e disse com todas as letras ao anfitrião: “Quero deixar claro que não estou aqui por você, mas estou aqui por ter a oportunidade de poder ajudar outros pecuaristas”. Percebem a diferença?
Sobre a questão tecnológica, o jovem cidadão disparou a seguinte pérola: “Live não é o meu negócio”. Caros, atualmente, live é o negócio de todo mundo. Dizem que o futuro está na juventude, mas um jovem negar os benefícios da tecnologia é negar o próprio futuro. Cheguei a pensar que talvez este cidadão não more numa fazenda, mas numa caverna, tamanho o comportamento jurássico, não só com a tecnologia, mas, principalmente, no trato com as pessoas.
Essa não foi minha única experiência com jovem pecuarista truculento. As redes sociais estão lotadas deles. Não quero aqui generalizar afirmando que todos os jovens se comportam dessa maneira; porém, lidero pessoas há 22 anos consecutivos – entre colaboradores de 18 a mais de 70 anos de idade – e a característica latente que pude perceber em grande parte dos jovens, das duas últimas décadas, é a impaciência para cumprir etapas, querendo alcançar resultados da noite para o dia, e uma insolência gritante e desproporcional com quem construiu história por meio de uma jornada longa e exemplar.
Afirmo: nem todos os jovens são assim. Existem jovens brilhantes e maduros. Por outro lado, não devemos estigmatizar e carimbar os mais velhos como seres humanos atrasados. Hoje, lidando diariamente com jovens e velhos pecuaristas, e me surpreendendo positivamente a cada dia com os mais velhos, começo a refletir se a tal relutância tão associada aos mais velhos não seja fruto de um comportamento arrogante de um jovem querendo impor ideias, em vez de dialogar com paciência e respeito com quem está na outra ponta.
Mesmo que digam que os mais velhos sejam cabeça-dura no Agro, eu lido com produtores rurais diariamente acima dos 50, 60, 70 e até 80 anos e todos, sem exceção, se mostram extremamente educados, pacientes e abertos ao novo. Aqueles que, tecnicamente, têm menos tempo de vida são os que mais doam o seu tempo com paciência, resiliência e amor ao próximo.
Entretanto, mais do que criticar algumas posturas concernentes a alguns jovens, este artigo tem como objetivo abrir os nossos olhos sobre os maus julgamentos que fazemos em relação aos mais velhos do Agro, colocando todos no mesmo balaio. Quanto aos jovens pecuaristas jurássicos, que habitam cavernas, em vez de fazendas, fica o conselho de um dos maiores dramaturgos do Brasil, que realmente mostrava a vida como ela é. Já dizia Nelson Rodrigues: “Jovens, envelheçam”. E aqui vai um conselho meu: “Jovens, sejam menos irritadinhos e estressados, senão nem chegarão a envelhecer”.
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Lilian Dias é comunicadora Agro, possui MBA Executivo pela ESPM, com foco em habilidades de gestão de pessoas, práticas de liderança e marketing. É autora do ebook "Os Pilares do Agronegócio". Site: www.novoagro.com.br - Instagram: @novoagrotv - E-mail: novoagro@novoagro.com.br
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